sexta-feira, 20 de maio de 2011

A MULHER NO MUNDO DOS HOMENS

A MULHER NO MUNDO DOS HOMENS


“Do rio que tudo arrasta
Se diz que é violento, mas
a ninguém diz violentas as
margens que o comprime”.

A Igreja Católica ao referir-se a origem do ser humano, recorre ao pressuposto de que a mulher surgiu de uma costela do homem, portanto, coloca-a no seu papel de submissão.

“Sou morena
Já nasci pra ser escrava do sistema
Sou morena
Pouco a pouco porém rebentei minhas algemas
Sou de paz mas sou guerreira
Devagar chego lá derrubando fronteiras
To de tanga mesmo assim já tô dando meu grito do Ipiranga
Quero tudo o que perdi
Eu quero escolher o que não escolhi
Eu sou brasileira e to aí”

                        Rainha Morena
                        Paulo César Pinheiro e Maurício Tapajós

O conceito de que a “mulher é objeto de cama e mesa” transcende ao mundo moderno. Moisés, após verificar que mulher não era fértil durante a menstruação e nos dez dias subseqüentes e, desejando aumentar a população da tribo Hebréia, criou uma lei proibindo de se manter relações sexuais durante este período.


“Estou mais atrevida
tõ cheia de vida
você não me provoca
nem quando me toca
agora eu tenho fome
de homem que seja feliz”

Atrevida
Ivan Lins


Se durante a Idade Média a mulher atuou em praticamente todas as profissões, a partir do Renascimento determinadas atividades vão gradativamente tornando-se domínio masculino, ao mesmo tempo que as Corporações de Ofício se fecham a participação feminina. É justamente durante esse período, quando o trabalho se valoriza como instrumento de transformação do mundo pelo homem, que o trabalho da mulher passa a ser depreciado. Alijada concretamente de determinadas profissões, tece-se também toda uma ideologia de desvalorização da mulher que trabalha.
A pergunta que se coloca é se, diante deste quadro, as mulheres deixaram de trabalhar. Tal não ocorreu, já que as necessidades materiais de sobrevivência sempre exigiram que o fizessem.

Lava a roupa todo dia, que agonia
Na quebrada da soleira, que chovia
Até sonhar de madrugada
Uma moça bem mancada
Uma mulher não pode vacilar

Luiz Melodia

Jean Jacques Rousseau, principal ideólogo da Revolução Francesa, fecha formalmente o acesso da mulher à participação pública. Para ele, o mundo masculino seria por natureza, o mundo externo e o feminino, o mundo interno. Segundo Rousseau, a mulher deveria ser educada e encontrar uma realização “natural” e colocar-se a serviço do homem, desde a infância até a fase adulta: “Toda educação da mulher deve ser relacionada ao homem. Agradá-los, ser-lhe útil, fazer-se amada e honrada por eles, educá-los quando jovens, cuidá-los quando adultos, aconselhá-los, consolá-los, torná-lhes a vida útil e a agradável – são esses os deveres das mulheres em todos os tempos e o que lhes deve ser ensinado desde a infância”.

“Ó mãe, me explica, me ensina
Me diz o que é feminina?
Não é no cabelo nem no dengo ou no olhar
É ser menina por todo o lugar
Ó mãe então me ilumina
Me diz como é que termina
Termina na hora de recomeçar”

Feminina
Joice

Jeanne Deroin, operária francesa autodidata, escreve em 1848 “Um Curso de Direito Social” para as mulheres no qual pretende apontar às próprias mulheres a passividade por elas assumida.
A mulher, ainda uma escrava, permanece em silêncio. (...) Subjugada pelo domínio masculino, ela nem sequer aspira a sua própria libertação; o homem é que deve libertá-la.

Às vezes passava fome ao meu lado
E achava bonito não ter o que comer
E quando me via contrariado
Ah meu filho o que há de fazer

Ataulfo Alves e Mario lago
Amélia
Por dois caminhos trilharam a submissão da mulher: Pelo seu silêncio e conformismo e pela ação machista, que como vimos, predominou desde sempre. As vozes que se levantaram foram escravizadas e massacradas.

“Todo dia ela faz tudo sempre igual
Me sacode as seis horas da manhã
Me sorri um sorriso pontual
E me beija com a boca de hortelã
Todo dia ela diz que pra eu me cuidar
E essas coisas que diz toda mulher.”

Cotidiano
Chico Buarque

Iniciado nos Estados Unidos na segunda metade do século XIX, a mulher adquiriu o direito de voto em 1920 e, daí por diante, a Inglaterra seguido de outros países da Europa incluíram em suas constituições o sufrágio feminino.
No Brasil a luta durou 40 anos. Iniciada por Bertha Lutz quando funda a “Liga pela Emancipação da Mulher”, o movimento conquistou sua primeira vitória no Rio Grande do Norte em 1927, tendo a mulher passado a ter direito de voto, seguido de outros Estados, até que em 1932, Getúlio Vargas, por Decreto-Lei, promulga o direito de sufrágio às mulheres.

“Mas depois
Nos cobra na cara
O amor mais perfeito
Da amante ideal
A casa arrumada, a comida na mesa
O botão da camisa, o chinelo e o jornal
Os filhos nos pedem mais tempo ...
Ser mulher é ser mãe”.

A partir da década de 1960, o feminismo incorpora outras frentes de luta – a desigualdade no exercício de direitos políticos, trabalhistas e civis, questiona também as raízes culturais dessas desigualdades. Denuncia desta forma, a mística do “eterno feminismo”, ou seja, a crença na inferioridade “natural” da mulher, calcada em fatores biológicos. Questiona a Idéia de que homens e mulheres estariam predeterminados
Por sua própria natureza, a cumprir papéis opostos na sociedade: Ao homem, o mundo externo; à mulher, por sua função procriadora, o mundo interno. Essa diferenciação de papéis na verdade mascara uma hirarquia, que delega ao homem a posição de mando.
Nesse sentido afirma Simone Beauvoir: “Não se nasce mulher, torna-se mulher”. (“masculino” e o “feminino” são criações culturais e, como tal, são comportamentos apreendidos através do processo de socialização que condiciona diferentemente os sexos para cumprirem funções sociais específicas e diversas. Aprendemos a ser homens e mulheres e a aceitar como “naturais” as relações de poder entre os sexos. A menina, assim aprende a ser doce, obediente, passiva, altruísta, dependente; enquanto o “menino”, aprende a ser agressivo, competitivo, ativo, independente. Como se tais qualidades fossem parte de sua própria “natureza”. Da mesma forma, a mulher seria emocional, sentimental, incapaz para as abstrações das ciências e da vida intelectual em geral, enquanto a natureza do homem, seria mais propícia à “racionalidade”.

“Maria, Maria
É um dom, uma certa magia
Uma força que nos alerta
Uma mulher que merece viver e amar
Como outra qualquer do Planeta”.

Maria, Maria
Milton Nascimento

O movimento feminista denuncia a manipulação do corpo da mulher e a violência que é submetida, tanto aquela que se atualiza na agressão física – espancamentos, estupros, assassinatos – quanto a que o coisifica enquanto objeto de consumo. Denuncia da mesma forma a violência simbólica que faz de seu sexo um objeto desvalorizado.

“Não quero viver por aí
Prisioneira de um quarto de hotel
Com um telefone ao alcance da mão
Uma linha direta com a solidão”.

Quarto de Hotel
Gonzaguinha


“E daí
Pouco importa
Ou se interessa ou não se interessa
É fim de conversa
Eu volta pra vida
Que deixei lá fora, na rua
Fui tua... e daí
É ima pena
Que a moça não seja
De cama e mesa
Um bicho uma presa
Que depois de usada
Se guarda ou se joga
Na lata do lixo”

Mulher e Daí
Gonzaguinha

O movimento feminista propõe, principalmente, que o exercício da sexualidade se desvincule da função biológica de reprodução, exigindo dessa forma o direito ao prazer sexual e a livre opção pela maternidade. A proposta não é a utilização do aborto como método contraceptivo, e sim, como último recurso ao qual as mulheres devem ter seu direito assegurado, no sentido de garantir que a maternidade seja o resultado de uma opção consciente e não de uma fatalidade biológica.

Não sei por que sou negra, não sei por que você é branco,
Nem você, aposto! Mas dessa diferença – e da nossa
Ignorância – nascem mais desgraças do que felicidade.
Há todo um desequilíbrio em si mesmo, nascido dessas raízes.
Para seu bem estar, fui trazida, séculos atrás,
Mão de obra para seu país. Para sua maior riqueza,
Meu estado de escravidão declarada passou a liberdade,
Sem qualquer infraestrutura que deixasse entrever
Suas boas intenções ou sentimento humanitário.
Para sua satisfação, ponho sua mesa e sou posta em sua cama.
Para seu sossego, sou mantida num baixo nível educacional,
Em conseqüência do econômico, e assim vai num eterno vice-versa.
Para então eu  sua pesquisa, sou vista como elemento novo,
Capaz de te possibilitar o reencontro da natureza perdida,
de desatar-te as amarras que você construiu.
Para sua tranqüilidade espiritual, sou sempre tratada com
a benevolência que veste os superiores.

Trecho da fala de Zenaide na peça “Escuta Zé”
Texto e roteiro de Marilena Ansaldi

Primeiro você me alucina
Me entorta a cabeça
E bota na boca
Um gosto amargo de fel
Depois vem chorando desculpas
Assim me pedindo
Querendo ganhar um bocado de mel
Não vê que então eu me rasgo
Engasgo, engulo, reflito
E estendo a mão
E a assim nossa vida é um rio secando
As pedras cortando
E eu vou perguntando: até quando?

Grito de Alerta
Gonzaguinha

Se a mulher passou pelo seu estágio de submissa. Ela também evoluiu para o estágio de dependente. No hiato, parecia que ela se perderia em suas conquista e busca da garantia dos espaços, da manutenção de sua personalidade, da sua faceirice, da sua elegância etc. Na realidade, a mulher após a conquista de sua independência econômica, passou ater o direito de escolher o seu “homem” e não aguardar ser escolhida. Deixou de ser passiva para atuar na sociedade de “igual para igual”. Essa é a mulher atual. A mulher que apesar de, lado a lado, disputar o mercado de trabalho com o homem, garante a procriação e a dinâmica da sociedade.

MULHERES... SERES FANTÁSTICOS

A mãe e o pai estavam assistindo televisão, quando a mãe disse: “Estou cansada e já é tarde. Vou-me deitar”.
Foi à cozinha fazer uns sandwiches para os almoços do dia seguinte na escola, passou uma água nas taças de pipoca, tirou carne do freezer para jantar do dia seguinte, confirmou se as caixas de cereais não estavam vazias, encheu o açucareiro, pôs tigelas e talheres na mesa e preparou a cafeteira do café para estar pronta para o dia seguinte.
Pôs ainda umas roupas na máquina de lavar, passou uma camisa a ferro e pregou um botão que estava caindo. Guardou umas peças do jogo que ficara em cima da mesa e pôs a agenda do telefone no lugar dela. Regou as plantas, despejou o lixo e pendurou uma toalha para secar.
Bocejou, espreguiçou-se e foi para o quarto.
Parou ainda na secretária e escreveu uma nota para o professor, pôs num envelope o dinheiro para uma visita de estudo e apanhou um caderno que estava caído embaixo da cadeira. Assinou um cartão de parabéns para uma amiga, selou o envelope e fez uma pequena lista para supermercado. Colocou ambos os envelopes perto da carteira.
Nessa altura o pai disse lá da sala: “Pensei que você tinha ido deitar”.
“Estou a caminho” respondeu ela.
Pôs água na tigela do cão e chamou o gato para dentro de casa.
Certificou-se de que as portas estão trancadas.
Espreitou para o quarto de cada um dos filhos, apagou a luz de um abat-jour, pendurou uma camisa, atirou umas meias para o cesto da roupa suja e conversou um bocadinho com o mais velho que ainda estava estudando.
Já no quarto acertou o despertador preparou a roupa para o dia seguinte e arrumou os sapatos.
Depois lavou o rosto, passou creme, escovou os dentes e acertou uma unha partida.
A essa altura, o pai desligou a televisão e disse: “vou me deitar”.
E foi... Sem mais nada.
Notam aqui alguma coisa de extraordinário?
Ainda perguntam por que é que as mulheres vivem mais...?
PORQUE SÃO MAIS FORTES. FEITAS PARA RESISTIR.
Enviem este pequeno texto para mulheres fantásticas que conheçam. Elas irão adorar.
Para os homens, bem! Enviem também, pode ser que eles percebam alguma coisa.

Autor desconhecido

O feminismo se constrói, portanto, a partir das resistências, derrotas e conquistas que compõe a História da Mulher e se coloca como um movimento vivo, cujas lutas e estratégias estão em permanente processo de recriação. Na busca da superação das relações hierárquicas entre homens e mulheres, alinha-se a todos os movimentos que lutam contra a discriminação em suas diferentes formas.

“Mulher nova bonita e carinhosa
Faz o homem gemer sem sentir dor”

Zé Ramalho

A revista “PRESENÇA DE MULHER”, ano XIII (dezembro de 2000ª fevereiro de 2001), através de seus editores, escreve uma dedicatória em homenagem à MULHER com o título “A ESSAS E TANTAS OUTRAS” que transcrevemos abaixo:

Essas que se embrenham mata adentro e se negaram aos colonizadores
E as que colaboraram e casaram com eles,
Essas que embarcaram ainda crianças
E as que ultrapassaram o limite da chegada
Essas que levaram chicotadas e marcas de ferro quente,
Essas que se revoltaram e fundaram quilombos,
Essas que vieram embaladas por sonhos
E as que atravessaram nos porões da escuridão,
Essas que geraram filhas e filhos
E as que nunca pariram,
Essas que acenderam toda espécie de velas
E as que arderam nas fogueiras,
Essas que lutaram com armas
E as que combateram sem elas,
Essas que cantaram, dançaram, pintaram e bordaram
E as que só criaram empecilhos,
Essas que escreveram e traduziram seus sentimentos
E as que nem mesmo assinavam o nome,
Essas que clamaram por conhecimento e escolas
E as que derrubaram os muros com os dedos,
Essas que trabalharam nos escritórios e fábricas
E as que empunharam as enxadas no campo,
Essas que ocuparam ruas e praças
E as que ficaram em casa,
Essas que quiseram se tornar cidadãs
E as que imaginaram todas votando,
Essas que assumiram os lugares até então proibidos
Essas que elegeram as outras,
Essas que cuidaram e trataram os diferentes males
E as adoeceram por eles,
Essas que alimentaram e aplacaram os vários tipos de fome
E aquelas que arrumaram a mesa,
Essas que atenderam, datilografaram e secretariaram
E aquelas que lavaram e passaram sem conseguir atenção,
Essas que se doutoraram e ensinaram
 E as que aprenderam com a vida,
Essas que nadaram, correram e pularam
E as que sustentaram a partida,
Essas que não se comportaram bem e amaram de todas as maneiras
E as que fizeram sem pedir licença,
Essas que desafinaram o coro do destino
E as que com isso abriram as alas e as asas,
Essas que ficaram de fora
E aquelas que ainda viram,
Essas e tantas outras que existiram dentro da gente
E as que viveram por nós.

BELFORD ROXO, 20 DE MAIO DE 2011

José Floriano Oliveira

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